Monthly Archives: Fevereiro 2014

E o Óscar vai para… – Previsões oficiais dos Óscares de 2014

The 85th Academy Awards® will air live on Oscar® Sunday, February 24, 2013.

Com a cabeça a andar à roda com tantas variáveis para equacionar e o fantasma da indecisão a pairar sobre algumas das minhas principais escolhas, chego aqui a esta lista de previsões – e há muito tempo que não tinha tantas e tão marcadas dúvidas. Alguns Óscares já estão basicamente entregues, e será fácil de prever uma enxurrada de prémios para “Gravity” nas categorias técnicas, mas algumas das mais interessantes categorias estão completamente em aberto. Comecemos com…

 

Melhor Filme

“12 Years a Slave” – Francamente, quase me apeteceu atirar uma moeda ao ar para fazer esta escolha. “12 Years a Slave” foi considerado o favorito deste cedo e continua a ser a minha escolha para sair vencedor, mas “Gravity” tem estado a subir cada vez mais nas opiniões do votantes e pode muito juntar o Óscar “principal” aos muitos galardões técnicos que certamente irá ganhar. De todas as previsões deste ano, esta foi a mais complicada. Este ano, só um tolo irá deitar-se antes de assistir ao final desta viagem.

“American Hustle”

“Captain Phillips”

“Dallas Buyers Club”

“Gravity”

“Her”

“Nebraska”

“Philomena”

“The Wolf of Wall Street”

 

Melhor Realizador

Alfonso Cuarón, “Gravity” – Se tudo correr como esperado, devemos ter o segundo ano consecutivo em que o vencedor do Óscar de Melhor Filme não coincide com o de Melhor Realizador. Pois se é verdade que está tudo em aberto na primeira categoria, o suspense é consideravelmente menor nesta. Por toda a sua entrega, talento e mestria em orquestrar um filme incrivelmente complexo tecnicamente, Alfonso Cuarón tem o caminho aberto para conquistar o seu primeiro Óscar.

Steve McQueen, “12 Years a Slave”

Alexander Payne, “Nebraska”

David O. Russell, “American Hustle”

Martin Scorsese, “The Wolf of Wall Street”

 

Melhor Ator Principal

Christian Bale, “American Hustle”

Bruce Dern, “Nebraska”

Chiwetel Ejiofor, “12 Years a Slave”

Matthew McConaughey, “Dallas Buyers Club” – Que galeria impressionante de talento que temos nesta categoria este ano. Todas as performances nomeadas são do mais alto calibre e muitas outras ficaram de fora dos nomeados. Dito isso, não há qualquer dúvida que o grande favorito é Matthew McConaughey. O texano tem comandado um regresso à ribalta depois de alguns anos na penumbra e o seu trabalho vai ser premiado com um Óscar.

Leonardo DiCaprio, “The Wolf of Wall Street”

 

Melhor Atriz Principal

Amy Adams, “American Hustle”

Cate Blanchett, “Blue Jasmine” – Outro Óscar que pareceu ficar entregue bem cedo na corrida. Há uma (muito) vaga hipótese de Amy Adams poder montar alguma concorrência, mas a performance de Cate Blanchett é simultaneamente excelente e “de Óscar”. É uma excelente prestação da atriz australiana, que vai juntar mais uma estatueta à sua coleção, depois de ter conquistado a sua primeira quando encarnou Katherine Hepburn em “The Aviator”.

Judi Dench, “Philomena”

Meryl Streep, “August: Osage County”

Sandra Bullock, “Gravity”

 

Melhor Ator Secundário

Barkhad Abdi, “Captain Phillips”

Bradley Cooper, “American Hustle”

Michael Fassbender, “12 Years a Slave”

Jonah Hill, “The Wolf of Wall Street”

Jared Leto, “Dallas Buyers Club” – Mantendo a toada dos dois anteriores, também este prémio deverá estar essencialmente entregue. Não devia estar, mas está. A transformação física de Leto no seu memorável papel em “Dallas Buyers Club” transpira Óscar por todos os poros e vai sair premiado. Se estão à procura de uma escolha mais alternativa para as vossas previsões, considerem a subtil excelência de Barkhad Abdi ou (menos provável) a intensidade animal do dono de escravos de Michael Fassbender.

 

Melhor Atriz Secundária

Sally Hawkins, “Blue Jasmine”

Jennifer Lawrence, “American Hustle”

Lupita Nyong’o, “12 Years a Slave” – Uma das “lutas” mais fascinantes em toda a cerimónia. Irá o talento e popularidade entre os colegas de Jennifer Lawrence catapultá-la para um segundo Óscar em dois anos? Ou irá a Academia considerar que isso já é demais? E o que dizer da força magnética de Lupita Nyong’o, que nos fez a todos chorar com a sua escrava sofredora? É uma das decisões mais difíceis desta cerimónia, mas penso que esta será mais uma estatueta para o filme de Steve McQueen.

Julia Roberts, “August: Osage County”

June Squibb, “Nebraska”

 

Melhor Argumento Adaptado

“Before Midnight”, Richard Linklater, Julie Delpy, Ethan Hawke

“Captain Phillips”, Billy Ray

“Philomena”, Steve Coogan e Jeff Pope

“12 Years a Slave”, John Ridley – Sim, é verdade que “Captain Phillips” saiu vencedor nos Writers Guild Awards, mas, na minha opinião, isso só lhe confere o estatuto de segundo favorito. Porquê? Porque o argumento de “12 Years a Slave” foi considerado inelegível para o prémio e acabou por retirar a importância ao mesmo. Pela qualidade do texto, pela elegância da adaptação, pela força do tema, este prémio não deverá escapar a John Ridley.

“The Wolf of Wall Street”, Terence Winter

 

Melhor Argumento Original

“American Hustle”, Eric Warren Singer e David O. Russell

“Blue Jasmine”, Woody Allen

“Dallas Buyers Club”, Craig Borten e Melisa Wallack

“Her”, Spike Jonze“American Hustle” é um fortíssimo candidato nesta categoria também, com David O. Russell a ser incrivelmente consensual entre as várias pirâmides da hierarquia de Hollywood, especialmente entre os atores. Mas Spike Jonze já venceu o prémio do sindicato dos argumentistas e o seu trabalho em “Her” é a mistura perfeita entre melancolia e esperança que os votantes de Hollywood tendem a premiar.

“Nebraska”, Bob Nelson

 

Melhor Fotografia

“The Grandmaster”, Philippe Le Sourd

“Gravity”, Emmanuel Lubezki

“Inside Llewyn Davis”, Bruno Delbonnel

“Nebraska”, Phedon Papamichael

“Prisoners”, Roger A. Deakins

 

Melhor Montagem

“American Hustle”, Jay Cassidy, Crispin Struthers e Alan Baumgarten

“Captain Phillips”, Christopher Rouse

“Dallas Buyers Club”, John Mac McMurphy e Martin Pensa

“Gravity”, Alfonso Cuarón e Mark Sanger

“12 Years a Slave”, Joe Walker

 

Melhor Filme de Animação

“The Croods”

“Despicable Me 2”

“Ernest & Celestine”

“Frozen”

“The Wind Rises”

 

Melhor Filme Estrangeiro

“The Broken Circle Breakdown”, Bélgica

“The Great Beauty”, Itália

“The Hunt”, Dinamarca

“The Missing Picture”, Camboja

“Omar”, Palestina

 

Melhor Banda Sonora Original

“The Book Thief”, John Williams

“Gravity”, Steven Price

“Her”, William Butler e Owen Pallett

“Philomena”, Alexandre Desplat

“Saving Mr. Banks”, Thomas Newman

 

Melhor Música Original

“Alone Yet Not Alone” de “Alone Yet Not Alone”

“Happy” de “Despicable Me 2”

“Let It Go” de “Frozen”

“The Moon Song”de “Her”

“Ordinary Love” de “Mandela: Long Walk to Freedom”

 

Melhor Direção Artística

“American Hustle”

“Gravity”

“The Great Gatsby”

“Her”

“12 Years a Slave”

 

Melhor Guarda-Roupa

“American Hustle”

“The Grandmaster”

“The Great Gatsby”

“The Invisible Woman”

“12 Years a Slave”

 

Melhor Caracterização

“Dallas Buyers Club”

“Jackass Presents: Bad Grandpa”

“The Lone Ranger”

 

Melhor Documentário

“The Act of Killing”

“Cutie and the Boxer”

“Dirty Wars”

“The Square”

“20 Feet from Stardom”

 

Melhor Documentário, Curta-Metragem

“CaveDigger”

“Facing Fear”

“Karama Has No Walls”

“The Lady in Number 6: Music Saved My Life”

“Prison Terminal: The Last Days of Private Jack Hall”

 

Melhor Curta-Metragem, Animação

“Feral”

“Get a Horse!”

“Mr. Hublot”

“Possessions”

“Room on the Broom”

 

Melhor Curta-Metragem, Live Action

“Aquel No Era Yo (That Wasn’t Me)”

“Avant Que De Tout Perdre (Just before Losing Everything)”

“Helium”

“Pitääkö Mun Kaikki Hoitaa? (Do I Have to Take Care of Everything?)”

“The Voorman Problem”

 

Melhor Montagem de Som

“All Is Lost”

“Captain Phillips”

“Gravity”

“The Hobbit: The Desolation of Smaug”

“Lone Survivor”

 

Melhor Mistura de Som

“Captain Phillips”

“Gravity”

“The Hobbit: The Desolation of Smaug”

“Inside Llewyn Davis”

“Lone Survivor”

 

Melhores Efeitos Visuais

“Gravity”

“The Hobbit: The Desolation of Smaug”

“Iron Man 3”

“The Lone Ranger”

“Star Trek Into Darkness”

 

PS: Não se esqueçam de fazer as vossas previsões de quem vai ganhar este ano e participar no Oscar Challenge 2014. Vejam o que têm de fazer clickando aqui.

Pedro Quedas

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O ano das escolhas impossíveis: Os melhores dos Óscares de 2014

Favoritos Pessoais

Nós gostamos muito de dizer mal dos Óscares. De lhes apontar, com uma arrogância cirúrgica, todas as escolhas “erradas” que têm feito ao longo da história deste prémios. Depois de ter passado estas últimas semanas a ser inundado por uma avalanche de cinema de primeira categoria, tenho a dizer que nunca mais volto a ser uma dessas pessoas. Em todas estas decisões, a minha segunda opção (e às vezes mais) seria um voto perfeitamente justo. Foi um ano de escolhas impossíveis, mas ficam aqui as minhas:

 

Melhor Filme – Her: Apesar dos  níveis de qualidade nesta categoria terem sido quase sem precedentes de tão bons, a minha escolha cedo se viu reduzida a duas grandes opções. Durante muito tempo achei que não ia haver nenhum outro filme que me atingisse tão fundo como “12 Years a Slave”, mas depois vi “Her”… e tudo mudou. Estou encantado com este filme, desde a sua visão de uma semi-distopia futurista em que a melancolia é a emoção-padrão às magníficas interpretações de Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson, que só usa a sua voz. Este filme é mágico e é um dos meus favoritos de sempre, quanto mais deste ano.

 

Melhor Realizador – Alfonso Cuarón, Gravity: Por norma, não costumo ser fã de atribuir um Óscar a um realizador por pura aptidão técnica ou ter em conta a complexidade logística da filmagem. Por norma, o realizador do meu filme favorito entre os nomeados levaria o prémio. Assim, considerei seriamente dar o meu “voto” ao belíssimo trabalho de Steve McQueen no seu drama anti-esclavagista. Mas não consigo evitar dar ainda mais valor à mestria de Alfonso Cuarón em “Gravity”. Este filme é uma visão completa, uma experiência visceral que nasceu das entranhas do realizador mexicano e saiu para a tela. Tenho de premiar esse tipo de génio.

 

Melhor Ator Principal – Matthew McConaughey, Dallas Buyers Club: Considerei brevemente a entrega emocional de Chiwetel Ejiofor e perdi ainda mais tempo a ponderar se não deveria colocar todo o peso da minha vontade em premiar Leonardo DiCaprio pela sua titânica presença em “The Wolf of Wall Street”. Mas este Óscar pertence a Matthew McConaughey. O seu carisma natural (com um toque de negrume a esconder-se nos cantos) nunca foi tão bem utilizado num filme. “Dallas Buyers Club” não é um grande filme, mas McConaughey é absolutamente gigante, com uma interpretação que mostra um homem a evoluir perante a adversidade mas sem nunca perder a sua essência.

 

Melhor Atriz Principal – Judi Dench, Philomena: Confesso que nem sei bem como cheguei a esta decisão. Cate Blanchett, em “Blue Jasmine”, tem uma performance absolutamente devastadora. O meu voto tem de ir para ela, certo? Ou, se quiser ser mais diferente, posso premiar o desempenho fortíssimo de Sandra Bullock em “Gravity”. Mas não consigo deixar de considerar Judi Dench a minha “leading lady” favorita deste ano. É quase impossível de explicar a dificuldade de se conseguir transmitir doçura e desafio no mesmo tom de voz, carinho e dor no mesmo olhar, mas é o que a veterana atriz faz neste inesperadamente belo filme. É absolutamente incrível.

 

Melhor Ator Secundário – Michael Fassbender, 12 Years a Slave: Tenho de começar por deixar uma nota de grande apreço pelo ator incrível que Jonah Hill se tem tornado, com mais um excelente desempenho em “The Wolf of Wall Street”. Dito isso, estou irremediavelmente dividido entre o incrível estreante Barkhad Abdi (“Captain Phillips”) e o imponente Michael Fassbender (“12 Years a Slave”). Entre a força resoluta do líder de piratas somali e a loucura transfigurada do dono de escravos, o meu voto vai para a performance dura e desconfortável de Fassbender. Ainda assim, o voto ficaria bem entregue a qualquer um destes dois.

 

Melhor Atriz Secundária – Lupita Nyong’o, 12 Years a Slave: Outra luta a duas, tanto nas expectativas de vitória como nas minhas preferências pessoais. E, aqui, a minha escolha tem de refletir o impacto emocional da performance. Jennifer Lawrence tem um desempenho memorável e incrivelmente divertido em “American Hustle”. Mas foi Lupita Nyong’o quem me deixou à beira do choro em quase todas as suas cenas. Foi ela quem me prendeu o olhar em todas as suas súplicas desesperadas. Foi ela quem me fez sentir mais profundamente o horror da escravatura. Se isto não merece um Óscar, não sei o que merece.

 

Melhor Argumento Adaptado – Steve Coogan e Jeff Pope, Philomena: Que escolha difícil esta é. Parece que este ano a maioria dos melhores argumentos foram parar a esta categoria e a minha escolha, tal como a dos votantes da Academia, é quase impossível. Mas acaba por não me custar nada reconhecer o génio de Steve Coogan e Jeff Pope na construção de um filme que tem tantos momentos da mais refinada comédia verbal como tem cenas de uma intensidade dramática quase impossível de aguentar. “Philomena” é um dos melhores filmes do ano – e deve muito desse crédito ao argumento.

 

Melhor Argumento Original – Spike Jonze, Her: Fecho esta ronda de escolhas voltando ao início, com a escolha mais fácil de todas. Spike Jonze é um pequeno grande génio e conseguiu, nesta sua estreia como argumentista, construir uma narrativa que funde a complexidade filosófica de uma reflexão sobre a nossa interdependência com a tecnologia com uma história de amor e perda profundamente marcada pelo seu recente divórcio. “Her” é bonito e triste, acelerado e contemplativo, divertido e trágico. É o filme do ano e tem um dos mais perfeitos argumentos que alguma vez vi. Que outra escolha podia eu fazer?

 

PS: Não se esqueçam de fazer as vossas previsões de quem vai ganhar este ano e participar no Oscar Challenge 2014. Vejam o que têm de fazer clickando aqui.

 

Pedro Quedas

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Na Rota dos Óscares apresenta… Oscar Challenge 2014

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E aqui estamos mais uma vez. Depois de ter lançado este desafio aos meus leitores, o “Oscar Challenge” do “Na Rota dos Óscares” está de volta. O objetivo? Simples – vocês fazem as previsões sobre quem vai ganhar em cada categoria, eu contabilizo os resultados após a cerimónia e anuncio o vencedor.

As regras são as seguintes:

1 – Vão reparar que cada categoria no boletim de voto tem uma pontuação associada. Isto acontece para privilegiar mais quem acerta em categorias como Melhor Filme ou Melhor Atriz do que quem acerta em Melhor Montagem de Som – sejam sinceros, vai ser sempre ser um pouco à sorte. O vencedor não é necessariamente quem acertou mais categorias mas antes quem acumulou mais pontos.

2 – Para votar, basta colocar uma cruz no quadrado imediatamente atrás no ficheiro excel com as categorias. Se quiserem, podem votar em dois dos nomeados mas, se acertarem num deles, só terão metade dos pontos disponíveis nessa categoria. A melhor estratégia é vossa para escolher.

3 – Em caso de empate, ganha quem acertou mais categorias na coluna da esquerda do boletim – essas categorias estão também assinaladas com uma barra a dourado.

4 – Por fim, o procedimento para concorrer é simples. Basta fazer o download do boletim de voto, preencher o ficheiro com as vossas cruzinhas, guardar as vossas respostas e reenviá-lo para narotadososcares@gmail.com. Não se esqueçam de colocar o vosso nome ou no ficheiro ou no email, para eu saber a quem atribuo as pontuações devidas. O prazo limite de envio de respostas é até ao início da cerimónia dos Óscares, mas podem começar já a fazer os vossos palpites.

O download do boletim de voto em Excel pode ser feito aqui: Oscar Challenge 2014 Boletim Voto

Assim, agora está tudo nas vossas mãos. Façam as vossas escolhas e vejam se me conseguem bater nas vossas previsões. Tal como na corrida aos Óscares deste ano, o vencedor está totalmente em aberto.

Pedro Quedas

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Conclusões, expectativas e desilusões: “Blue Jasmine / Before Midnight / August: Osage County”

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Before Midnight

Classificação: 9/10

Nomeações: 1 (Melhor Argumento Adaptado)

“Before Sunrise” era sobre as fantasias românticas dos jovens e as possibilidades infinitas do amor. Nove anos depois, surgiu “Before Sunset”, que nos trouxe uma história de segundas oportunidades e esperança no poder do amor para juntar qualquer ponta solta. E agora passaram-se mais nove anos e temos “Before Midnight”, onde Jessie e Celine já têm mais de 40 anos e todas as fantasias deram lugar à realidade. Como seria talvez de esperar, este (último?) capítulo da trilogia de Richard Linklater é o mais duro e desencantado, mais preso às banalidades essenciais do dia-a-dia – sem as quais é difícil qualquer relação resistir, por mais amor que exista. Ethan Hawke e Julie Delpy continuam tão cativantes quanto sempre, tão capazes de manter uma conversa sobre qualquer tema e prender cada um de nós ao ecrã. Mas agora têm filhos e responsabilidades e ressentimentos. Continuam loucos de amor, mas agora são loucos de outras coisas também. A maioria das histórias começa com a dura realidade e “corrige-a” com a fantasia. Este talentoso trio tem a inteligência emocional para perceber que, na vida real, é exatamente ao contrário.

 

Blue Jasmine

Classificação: 8/10

Nomeações: 3 (Melhor Atriz Principal, Melhor Atriz Secundária, Melhor Argumento Original)

O que é um “filme do Woody Allen”? Será um brilhante pedaço de comédia existencialista? Um desfile de neuroses e reflexões sobre a psique judaica? Ou será antes, como tem acontecido nos últimos tempos, um conjunto de imagens bonitas dignas de um anúncio turístico com ocasionais momentos de génio? É impossível afastarmos da cabeça as nossas expectativas quando chegamos a um filme do Woody Allen. Talvez seja por isso que é tão duro quando cada um dos vários socos no estômago deste filme nos atingem em cheio. Cate Blanchett é incrível nesta reencarnação moderna de Blanche DuBois, toda ela dispersões e neuroses, tiques e psicoses. É um papel que correria o risco de se tornar incrivelmente excessivo nas mãos de uma atriz menor, mas esta sua “Jasmine” é uma força da natureza. Uma “socialite” caída em desgraça com reservas de força que talvez nunca se consigam superar às suas reservas de tristeza. É um excelente, excelente papel. Talvez seja isso o que torna “Blue Jasmine” um “filme do Woody Allen”.

 

August: Osage County

Classificação: 4/10

Nomeações: 2 (Melhor Atriz Principal, Melhor Atriz Secundária)

Este filme é insuportável. As mulheres da família Weston são insuportáveis. O facto de não conseguirem parar de berrar por um segundo que seja é insuportável. O modo como os homens que as rodeiam não se limitam a mais que cumprir a sua função de clichés ambulantes é insuportável. Cada momento de música “country” delicodoce a seguir a sessões de pancadaria verbal é insuportável. É fácil de perceber onde é suposto encontrarmos os melhores momentos deste filme. Mas Meryl Streep tem aqui uma rara má performance e Julia Roberts dá-lhe as mãos no caminho descendente para um abismo de histeria e más decisões. Chris Cooper é uma das poucas luzes que brilham nesta gigantesca trapalhada, no papel de um homem bondoso e calmo que está prestes a perder a paciência para aturar o ninho de vespas em que se foi meter. É um oásis de compaixão, uma das poucas vozes da razão. Pena que não o consigamos ouvir no meio da porra dos berros.

 

Pedro Quedas

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A mãe, o filho e o Espírito Santo: “Philomena”

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Classificação: 9/10

Nomeações: 4 (Melhor Filme, Melhor Atriz Principal, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Banda Sonora Original)

 

Philomena Lee: “Do you believe in God, Martin?”

Martin Sixsmith: “Well… where do you start? I’ve always thought that was a very difficult question to give a simple answer to… Do you?”

Philomena Lee: “Yes”

 

São diálogos como este que tornam este “Philomena” uma surpresa tão agradável nesta “oscar season” já de si tão recheada de tanto talento. Nas mãos do veterano Stephen Frears, esta história – baseada em eventos reais – de uma mulher irlandesa à procura do filho perdido há 50 anos nunca descamba no melodrama barato. É um filme absolutamente delicioso, que consegue sempre caminhar num equilíbrio delicado entre a devastadora tristeza dos acontecimentos que descreve e o humor elegante das personagens que os vivem.

Judi Dench, nomeada para o Óscar de Atriz Principal, é tão excelente como esperado no papel de Philomena Lee, uma idosa irlandesa profundamente religiosa que teve um filho como adolescente e foi remetida – como era costume em algumas comunidades mais conservadoras no passado –, para um convento, onde teve o filho longe dos olhares acusadores da sociedade e perdeu-o imediatamente para uma adopção forçada. Philomena é uma mulher forte mas bondosa, emancipada mas presa aos bons costumes nos quais foi educada. Dench interpreta-a com uma luz interna que nos coloca do seu lado desde o primeiro plano em que aparece. É impossível não ficarmos automaticamente encantados com a sua presença.

A seu lado temos Steve Coogan como Martin Sixsmith, um arrogante mas não necessariamente mal-intencionado ex-jornalista da BBC e conselheiro político caído em desgraça que aceita ajudar Philomena na sua investigação – apesar de considerar toda a situação incrivelmente corriqueira e abaixo do seu nível. A evolução de Sixsmith ao longo do filme é esperada mas nunca forçada. Coogan (também responsável pelo argumento) e Frears merecem todo o crédito do mundo pela gestão perfeita que fazem das viagens emocionais das suas personagens.

Um dos temas principais deste filme passa por uma visão razoavelmente negativa da Igreja Católica, especificamente através das suas representantes, as freiras assustadoramente rígidas que não hesitam em torturar psicologicamente as jovens que consideram ter pecado. Ainda assim, é fundamental perceber que esta é uma crítica aos constrangimentos da religião, mas nunca um ataque à fé. Na verdade, a fé é a grande força que segura Philomena durante todo o seu sofrimento. É uma motivação que Martin Sixsmith – e muitos outros – não conseguem totalmente compreender mas que está lá a borbulhar à superfície e nunca é tratada como apenas um alvo fácil para humor. É estranho como pode haver tanta emoção num filme que coloca muito do seu ênfase no respeito mútuo, mas é esse o pequeno milagre de “Philomena”.

Em última instância, o que temos aqui é um pequeno grande filme polvilhado de belas contradições. Um filme triste que nos faz rir, recheado de arrogância e bondade, rancor e perdão. De amor passado, presente e futuro. De amor nunca esquecido. Seria fácil sair deste filme com uma raiva enorme pelo que se sucedeu – seria provavelmente até merecido. Felizmente que Philomena existe para nos mostrar que há muito melhores coisas no mundo para experienciar que o ódio.

 

Pedro Quedas

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A nova era da ficção científica

Ficção Científica

O ano de 2013 deu que falar em Hollywood. Há muito que não se via uma tamanha quantidade de talento no ecrã na lista dos nomeados para o Óscar – e nem vamos falar do exorbitante número de excelentes filmes que nem sequer chegaram a ser nomeados. Mas há um pormenor curioso que tem lançado um grande debate entre os bastidores da indústria: será este finalmente o ano em que a Academia vai colocar no topo um filme de ficção científica?

Entre os nove nomeados deste ano, dois dos melhores na lista abordam questões de ficção científica e são dominados por visões de um mundo cada vez mais tecnológico – “Her” e “Gravity”. E, com dez nomeações e o estatuto de favorito em muitas categorias (incluindo os muitos cobiçados Óscares de Melhor Filme e Melhor Realizador), o mini-épico espacial de Alfonso Cuáron pode mesmo vir a tornar-se o primeiro filme deste género a ser coroado pela Academia.

Deve ser dito, no entanto, que não tem a história do seu lado. Em 1977, “Star Wars” perdeu para “Annie Hall”. “E. T.: The Extra-Terrestrial” perdeu para “Gandhi” em 1982. E, mais recentemente, em 2009, tanto “Avatar” como “District 9” estavam nomeados mas perderam para “The Hurt Locker”. E isto sem falar do facto de três dos melhores filmes de ficção científica de sempre (“2001: A Space Odissey”, “Close Encounters of the Third Kind”, “Blade Runner”) nem terem sequer sido nomeados para Melhor Filme.

De onde vem esta desconfiança? Porque teima Hollywood em apostar financeiramente na ficção científica mas não lhe dá qualquer crédito artístico? O consenso geral parece ser que a maioria dos filmes de ficção científica não passam de meras aventuras “pulp” com um cenário mais tecnológico e futurista. O que é verdade, mas só até certo ponto. Porque para cada dez “Transformers” existe um “Gravity”, para cada dez Jar Jar Binks, uma OS1 Samantha.

O mundo da ficção científica oferece uma oportunidade dourada para refletirmos sobre as questões filosóficas da humanidade sem nos autoimpormos limites. Abre a lente ao máximo e capta todas as mágicas nuances do imprevisto e do impossível. É uma janela aberta para as possibilidades infinitas da nossa imaginação. Nunca irei perceber a mentalidade de quem não sente nem um mínimo de curiosidade pelo sonhar com outros mundos.

Muita discussão tem havido também sobre se “Gravity” é verdadeiramente um filme de ficção científica. A definição “oficial” do termo contempla conceitos como um mundo futurista ou imaginado, nenhum dos quais existe no filme de Cuarón – ainda que as “licenças criativas” que o filme emprega o possam colocar no campo do imaginário.

Mas a verdade é que tudo isso interessa muito pouco à questão. O fio condutor essencial do filme remete para a nossa frágil relação com a tecnologia e sobre os encantos e medos do vazio do espaço sideral, dois pilares de base da melhor ficção científica. São questões que deveriam interessar a qualquer ser pensante, independentemente de preconceitos, mas têm sido ignorados pelos votos de Hollywood. Será que o dia 2 de Março vai marcar o início de uma nova era?

Pedro Quedas

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O prémio de uma vida imperfeita: “Nebraska”

NEBRASKA

Classificação: 8/10

Nomeações: 6 (Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Ator Principal, Melhor Atriz Secundária, Melhor Argumento Original, Melhor Fotografia)

 

Woody Grant só quer chegar a Lincoln, Nebraska, recolher o seu prémio de um milhão de dólares e usar o dinheiro para substituir a sua velha carrinha. Um momento de triunfo para pontuar uma vida carregada de erros inebriados e acidentes de percurso. Sempre um realizador fascinado pela poesia que pode ser encontrada nos prazeres simples da vida, Alexander Payne volta aqui a demonstrar a sua mão delicada no tratamento de contos de redenção de personagens imperfeitas.

É possível um ator ser uma revelação aos 77 anos? Pois é exatamente isso que aconteceu comigo ao ver Bruce Dern em cena durante este filme. Visto sempre em Hollywood como um dos seus principais “that guys” (atores que reconhecemos sempre que os vemos mas nunca lhes prestamos especial atenção) –  especialmente no papel de criminosos, psicopatas e homens violentos de um modo geral – Dern é uma figura simultaneamente magnética e patética em “Nebraska”. Woody Grant é um homem que está a queimar os últimos cartuchos da sua vida mas que ainda consegue, a espaços, reacender a chama da força que em tempos teve.

A sua interpretação de um homem com um passado complicado e uma consciência quase totalmente apagada é incrivelmente comovente, especialmente quando associada à delicada performance de Will Forte como o seu filho – um homem igualmente perdido no mundo que, ao ajudar o seu pai na sua demanda condenada, não quer mais que tentar dar alguma espécie de sentido à sua vida. June Squibb, que interpreta a mulher tresloucada e asneirenta de Woody, foi quem teve a nomeação ao Óscar, mas é Forte quem ajuda muitas vezes a carregar este filme às costas.

A belíssima fotografia a preto e branco é um dos pontos mais fortes do filme mas acaba por ser também uma das razões que o impede de atingir maiores grandezas. Cativante que a história é, por vezes sentimos que Alexander Payne se deixa encantar pela beleza dos seus próprios planos, fazendo com que o filme se arraste em alguns momentos cruciais.

Mas, como é o caso na grande maioria dos filmes de Payne, vale a pena aguentar os momentos mais parados para sentir o incrível prazer de ver a história a atingir os seus momentos de subtil exultação. O que temos aqui é, portanto, nem mais nem menos que um filme imperfeito com momentos imperfeitos sobre os desejos imperfeitos de homens imperfeitos. E, ali ao espreitar da esquina para os românticos entre nós que nunca desistem de ver o melhor no mundo, um momento final da mais sublime perfeição.

 

Pedro Quedas

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Fantasmas de corpo, gigantes de espírito: “Dallas Buyers Club”

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Classificação: 7/10

Nomeações: 6 (Melhor Filme, Melhor Ator Principal, Melhor Ator Secundário, Melhor Argumento Original, Melhor Montagem, Melhor Caracterização)

 

Matthew McConaughey tem estado imparável nos últimos dois anos. Desde papéis secundários memoráveis em filmes como “Magic Mike” e “The Wolf of Wall Street” a excelentes trabalhos como protagonista em “Killer Joe” e “Mud”, o ator texano nunca esteve tão bem cotado na “bolsa” de Hollywood. Neste contexto, como devemos avaliar o seu desempenho em “Dallas Buyers Club”?

Numa palavra? Gigante. Numa mistura impressionante do seu carisma natural com uma entrega mental e física que nos deixa tão desconfortáveis quanto fascinados, a sua performance como Ron Woodroof tem deixado público e críticos rendidos e já assumiu a liderança na corrida ao Óscar de Melhor Ator Principal.

Acima de tudo, o melhor elogio que se pode fazer ao trabalho de McConaughey é de que nunca torna Ron Woodroof numa figura idealizada e desproporcionadamente heróica. Baseado numa história real, o filme de Jean-Marc Vallée acompanha a luta do homem que, depois de contrair o vírus da SIDA e sentir que os medicamentos legais não o estão a ajudar, decide criar um clube de venda de drogas medicinais ilegais para o ajudar a si, ajudar os outros e, sim, fazer uma enorme quantidade de dinheiro.

Este filme é essencialmente uma viagem – não tanto de corpo (embora vejamos a gradual destruição do mesmo com um detalhe intenso), mas de espírito. Woodroof não é mais que um pequeno vigarista homofóbico e propenso à autodestruição quando o filme começa, mas quando é forçado, devido ao seu novo “negócio”, a lidar com a comunidade homossexual (a mais afectada, principalmente no início, pelo vírus da SIDA), vai lentamente mudando, evoluindo, tornando-se uma pessoa melhor na face de uma vida em que a morte está sempre a espreitar ao virar da esquina. É um papel que nos marca, acima de tudo, pela verdade, pelo modo como o crescimento emocional do Woodroof quase nunca parece forçado ou ditado pelas maquinações do argumento.

Mas se Matthew McConaughey nos apresenta uma performance quase totalmente destituída de estereótipos, o mesmo não se pode dizer de Jared Leto, também ele um dos favoritos ao Óscar de Melhor Ator Secundário. Apesar de ter entrado no filme com a mesma dose de compromisso físico (ambos os atores perderam imenso peso para estes papéis e assemelham-se a dois fantasmas a esvaírem-se lentamente dos seus corpos feridos de morte), Leto interpreta Rayon, o “parceiro de crime” homossexual de Ron, com uma dose excessiva de tiques afetados e clichés. É uma má interpretação? Certamente que não – Leto tem um par de cenas genuinamente comoventes. Mas teria beneficiado de uma dose generosa de contenção.

Em última instância, “Dallas Buyers Club” é mais um daqueles filmes na categoria do “até é bom, mas podia ter sido tão melhor”. McConaughey é gigante e merece todos os fartos elogios que lhe têm sido dirigidos. Mas vê-se aqui rodeado de performances secundárias que não o acompanham no brilhantismo (Jennifer Garner é especialmente fraca como a médica de Ron Woodroof) e um argumento que começa a todo o gás e gradualmente se começa a degenerar num amontoado de clichés narrativos. Resta-nos o relato de uma vida incrível e uma história que, apesar de alguns tropeções na execução, merece sem dúvida ser contada.

 

Pedro Quedas

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De que filme é essa música?

Música

Tenho andado a falar (e escrever) sobre filmes quase sem parar nestas últimas semanas e, por mais que tente que o produto final das minhas críticas esteja ao nível do melhor que consigo, nunca deixo de encontrar temas e correntes narrativas essenciais de que podia ter falado e lamentavelmente me esqueci. Um dos meus erros mais recorrentes tem sido o ignorar sistemático e indesculpável do papel da música em alguns dos melhores filmes deste ano.

Mais do que discorrer sobre o quão fundamentais as bandas sonoras são na construção do imaginário cinéfilo ao longo dos anos, das quais já falei por estes lados, hoje vou antes falar sobre a importância das canções. Sobre o modo como a colocação de uma determinada canção num momento chave de um filme pode marcá-lo de tal modo que passamos a ter essa cena gravada na memória sempre que a dita música nos volta a bailar nos ouvidos.

Exemplos deste fenómeno são muitos (e geniais) na história do cinema. Como ouvir “Stuck In The Middle With You”, dos Stealers Wheel, sem recordarmos automaticamente a infame cena de tortura de “Reservoir Dogs”, de Quentin Tarantino? Como dissociar a genialidade de “Magnolia”, de Paul Thomas Anderson, do vasto reportório de belíssimas canções de Aimee Mann? E como não ficar com um sorriso estampado na cara sempre que começa a tocar “The Entertainer” e somos transportados para os braços de Paul Newman e Robert Redford em “The Sting”?

Também na mostra de cinema destes Óscares temos vistos alguns usos magistrais de canções para pontuar um momento ou até elevá-lo a níveis inesperados. Uma das cenas mais inesquecíveis deste ano cinematográfico envolve a gigante Jennifer Lawrence, em “American Hustle”, a limpar o pó ao som de “Live and Let Die”, de Paul McCartney, e a quase garantir uma nomeação só nesse breve minuto.

E não podemos menosprezar o modo como “Her” utiliza o poder da música para nos revelar como é tão mais fácil traduzir uma emoção com uma canção. As canções que a voz do sistema operativo OS1, Samantha (Scarlett Johansson), vai compondo para Theodore (Joaquin Phoenix), assumem-se como pilares incontornáveis na construção da sua bela (ainda que complicada) relação. Uma dessas músicas – “The Moon Song”, composta por Karen O – está até nomeada para o Óscar.

Terá de competir na categoria de Melhor Canção Original com aquela que é, provavelmente, a minha música favorita de todo o ano de 2013 – “Happy” (“Despicable Me 2”), de Pharrell Williams. Ao longo de todo o ano, o ritmo contagiante desse clássico instantâneo tem-me acompanhado (e até elevado) pelos meus melhores e piores momentos. Era uma injustiça gigante não conceder o devido crédito a uma música que, como todas as melhores o fazem, é agora parte da banda sonora da minha vida.

Pedro Quedas

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Os limites do amor : “Her”

HER

Classificação: 10/10

Nomeações: 5 (Melhor Filme, Melhor Argumento Original, Melhor Banda Sonora Original, Melhor Música Original, Melhor Direção Artística)

Onde fica a linha que separa o cérebro do coração? O corpo da alma? No admirável mundo novo que estamos a construir, em que dia após dia transcendemos os limites do nosso corpo com inovação tecnológica, que lugar guardamos para as nossas emoções? Estarão a ficar esquecidas no meio da parafernália industrial ou estarão cada vez mais no foco da nossa constante necessidade de descoberta? “Her” é um filme sobre tudo isto e muito, muito mais. Julguei que tinha encontrado o filme do ano depois de ver “12 Years a Slave”. Estava redondamente enganado. Que ano incrível de cinema este.

“Her” é um filme que consegue ser tão complexo quanto devastadoramente simples ao mesmo tempo. É uma obra profundamente filosófica, que desafia, com toques deliciosos de humor, as nossas concepções do que é viver e pensar e sentir na sociedade moderna. Mas é, também, um filme sobre amor e perda, sentimentos que nasceram com os primeiros átomos do ser humano e estão aqui para ficar.

No centro desta história está a belíssima relação que Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) estabelece, depois de se separar da sua mulher, com um novo sistema operativo do seu computador munido de inteligência artificial e capaz de evoluir através da interação humana. Começa por não ser mais que uma voz (Scarlett Johannson) mas cedo Theodore se apercebe que a sua viagem ainda mal começou.

Spike Jonze faz aqui um trabalho magistral não só como realizador visual, no modo como cria um futuro próximo em que a tecnologia está cada vez mais imbuída na experiência humana, mas, acima de tudo, como argumentista. O modo elegante como Jonze consegue dançar entre a filosofia e o romance sem nunca perder o rumo é de uma genialidade que só antes encontrei num outro clássico – “Blade Runner”, o meu filme favorito.

Joaquin Phoenix tem aqui um papel de uma doçura contida que nunca lhe pensei ser capaz de transpor para a tela e Amy Adams, no papel da sua melhor amiga, é vulnerável e forte e luminosa num papel que pouco tem de secundário. Mas quem aqui se destaca é Scarlett Johansson, que usa o poder da sua voz para nos apresentar a sua melhor interpretação de sempre. À medida que o filme vai avançado, comecei a sentir, como Theodore, que ela estava fisicamente ao meu lado. Debateu-se em Hollywood se não deveria ser possível um trabalho de voz ser nomeado para um Óscar. A resposta? Sim. Este devia.

“Her” é um filme que me deixou a pensar, a ruminar, irrequieto no meu lugar e indeciso sobre se estava intelectualmente estimulado, emocionalmente destroçado ou uma devastadora combinação de ambos. É um filme cheio de ideias provocadoras sobre os limites da interação física no amor, sobre se é necessário o toque de dois lábios para sentirmos o relâmpago de um primeiro beijo.

Acima de tudo, é um filme feito para quem já amou. Longos tempos houve em que o meu coração destreinado não teria tido a capacidade de compreender este filme. Hoje, sinto-me incrivelmente triste e insuportavelmente feliz por já ser capaz.

Pedro Quedas

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