Monthly Archives: Janeiro 2015

Erros e consequências: “Wild” / “Into The Woods” / “The Judge”

Ronda Relâmpago 2

Wild

Classificação: 9/10

Nomeações: 2 (Melhor Atriz Principal, Melhor Atriz Secundária)

Mas que agradável surpresa que este filme foi. Aquilo que tinha o dúbio potencial para se tornar uma peça de pseudo-inspiração vazia de conteúdo é, na verdade, um conto de inquebrável e, por vezes, brutal honestidade – e um dos filmes do ano. Nick Hornby adapta de forma brilhante o livro autobiográfico de Cheryl Strayed, uma mulher norte-americana que, depois de uma série de eventos traumáticos na sua vida, decide fazer uma caminhada de mais de 1700 quilómetros, sem grande preparação ou noção dos potenciais perigos pela sua frente. Reese Witherspoon é absolutamente fenomenal no papel de Cheryl, uma mulher que assume os seus erros e procura, mais que esquecer os seus problemas, encará-los de frente e derrubá-los com a sua determinação. É uma performance de pura entrega, física e emocional, tanto nos momentos de superação física contra os elementos da natureza (desde o calor abrasador do deserto a nevões) como nos fugazes encontros com outras pessoas no seus caminho ou nos etéreos flashbacks da sua vida familiar e amorosa, recheada de desgostos e más decisões. Depois de levar dois dos seus atores a vitórias nos Óscares com “Dallas Buyers Club”, Jean-Marc Valleé arrecada aqui mais duas nomeações – para Witherspoon e uma delicada e frágil Laura Dern como a mãe de Cheryl. Mas o realizador canadiano faz mais que apenas um bom trabalho de direção de atores – este é um filme complexo mas nunca confuso, intercalando imagens belas mas devastadoras de isolação com uma série de flashbacks não-lineares que ajudam, lenta mas seguramente, a construir o quadro completo da viagem de Cheryl. E que viagem.

 

Into The Woods

Classificação: 7/10

Nomeações: 3 (Melhor Atriz Secundária, Melhor Direção Artística, Melhor Guarda-Roupa)

Há muito para gostar em “Into The Woods”. A adaptação do musical da Broadway inspirado nos contos dos Irmãos Grimm tem uma veia de humor irreverente inesperada – ou talvez não tanto, dado que o filme foi realizado por Rob Marshall, também responsável pela belíssima adaptação de “Chicago” ao grande ecrã. James Corden e Emily Blunt são uma parelha impossível de não gostar nos papéis principais e Meryl Streep domina todas as cenas em que entra, combinando uma voz possante com uma interpretação dramática das canções que nem sempre se vê no mundo por vezes demasiado estilizado do musical. E há uma dose considerável de momentos de viragem narrativa negros como carvão que muito poucos musicais têm coragem de assumir – muitos menos musicais inspirados em contos de fadas e produzidos pela Disney. Com todos estes pontos positivos, então porque sinto que este filme não resulta totalmente? Estranhamente, por causa das músicas. Sim, sei que parece quase herético dizer que o pior de um musical é o que é da responsabilidade de uma lenda como Stephen Sondheim, mas este filme usa e abusa de ‘reprises’, regressando insistentemente às mesmas músicas. E mesmo as que são diferentes, são muitas vezes indistinguíveis uma das outras. O que, num filme quase inteiramente cantado, se torna incrivelmente cansativo. Uma pena.

 

The Judge

Classificação: 7/10

Nomeações: 1 (Melhor Ator Secundário)

Por vezes vemos filmes que transcendem os seus constrangimentos, que encontram momentos de génio onde menos esperamos. “The Judge” é exatamente o contrário. É um filme que se vê muito bem, com momentos muito bem conseguidos, mas que se deixa cair numa espiral de clichés e melodrama que quase destrói o que tinha construído. Robert Downey Jr. encarna, com a facilidade expectável, o papel de um arrogante advogado da cidade, habituado a ser mais esperto que todos à sua volta, que se vê forçado a regressar à bucólica simplicidade da sua terra natal na ocasião do funeral da sua mãe. Vincent D’Onofrio é impressionante como o irmão reprimido que trabalha num stand de automóveis, depois de perder uma carreira como estrela de baseball de forma trágica. E Robert Duvall, nomeado para Melhor Ator Secundário, é imperial como o viúvo juiz com uma relação muito complicada com o seu filho advogado e um problema de saúde que o seu orgulho o força a esconder, mesmo depois de ser acusado de homicídio. Mas quando olhamos para além do talento dos seus atores, o filme não tem muito mais a oferecer. As cenas de tribunal só resultam de vez em quando e o drama familiar é constantemente elevado a um limite melodramático que parece só existir para fazer avançar a narrativa. Um caso, infelizmente comum, de potencial desperdiçado.

 

Pedro Quedas

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A arte imita a vida: “Boyhood”

Boyhood

Classificação: 10/10

Nomeações: 6 (Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Ator Secundário, Melhor Atriz Secundária, Melhor Argumento Original, Melhor Montagem)

 

Mason: “So, what’s the point?”

Dad: “Of what?”

Mason: “I don’t know… any of this. Everything”

Dad: “Everything? What’s the point? I mean… I sure as shit don’t know. Neither does anybody else, ok? We’re all just… winging it, you know? The good news is you’re feeling stuff. And you’ve got to hold on to that”

 

Não sei como ele conseguiu. Richard Linklater é um dos meus realizadores favoritos, um homem que usa uma mente brilhante como megafone para um coração cheio de vida. Um talento que nunca se acomoda ao fácil e procura sempre desafios novos e originais. “Boyhood” é, à vontade, o seu desafio mais ambicioso até à data. Não sei como ele conseguiu superar as elevadíssimas expectativas que eu já levava comigo. Este filme é nada menos que incrível.

O conceito por trás do filme já muitos o sabem, mas volto a repeti-lo. “Boyhood” acompanha o crescimento de um rapaz desde os seis anos até ao momento em que entra na faculdade, saltando cronologicamente ao longo de vários momentos da sua vida. Mas o que é aqui verdadeiramente interessante é que não é só o tempo do filme que acompanha 12 anos de uma vida – a própria obra foi feita assim. Linklater e os seus atores juntaram-se todos os anos, durante 12 anos, para filmar mais algumas cenas do filme, permitindo ao espetador do produto final ver os protagonistas – desde o jovem Mason à sua irmã e os seus pais – literalmente crescer à sua frente.

E porque é importante saber como este filme foi feito? Porque mais do que apenas um conceito original – que o é –, o processo informa um dos maiores prazeres do filme. A subtil passagem do tempo, nunca denunciada abertamente, permite-nos – tal como na vida real – olhar para Mason, de repente um adolescente a ser confrontado com as complexidades do romance e do sexo, e pensar: “Como é que isto aconteceu? Ainda há pouco a maior preocupação dele era encontrar uma ponta de flecha antiga”. Num ano em que quatro dos oito nomeados para Melhor Filme são baseados em histórias reais, nenhum filme será tão real quanto “Boyhood”.

Já na sua trilogia “Before”, com Ethan Hawke e Julie Delpy, Linklater tinha explorado o conceito da passagem do tempo. Do equilíbrio impossível entre a reflexão sobre os propósitos da vida e as realidades da mesma a chocarem à nossa volta. Da grande verdade que só parecemos querer aceitar a segundos do fim – que o sentido da vida está em cada decisão que tomamos a seguir.

Esta reflexão filosófica em “Boyhood” é injetada de vida pelas performances de um conjunto singular de atores e atrizes. Ellar Coltrane está muito bem no filme como Mason, o foco desta louca viagem, e Lorelei Linklater (filha do realizador) tem muitos momentos de grande honestidade ao longo de todo o filme. Mas um especial destaque tem de ser dado aos dois atores “veteranos” que se entregaram de corpo e alma a esta tarefa quase impossível e a tornaram tão natural quanto respirar. Ethan Hawke nunca esteve tão bem num papel como neste pai divorciado forçado a, lentamente, aprender a controlar (pelo menos um pouco) os seus instintos de rebeldia. E o que dizer de Patricia Arquette? Que se Coltrane funciona como os nossos olhos nesta história, Arquette, a sua mãe, é o coração. A história das suas decisões, tanto as boas como as más, é a história de Mason. Todos estes fios se encontram para formar o mais incrível novelo de sinceridade artística dos últimos anos.

Linklater sempre teve uma capacidade invulgar para escrever personagens que conseguem filosofar sobre a vida e a arte sem nunca parecerem pretensiosos. Ou, quando o parecem, ser essa mesmo a ideia – que jovem de 16 anos com interesse em fotografia e sonhos de uma carreira artística não é pelo menos um pouco pretensioso? Mas, mais do que essa mestria formal, o que o torna tão especial é o seu olhar tão honesto sobre a vida. A infância e adolescência de Mason não podia ter sido mais diferente da minha – mas está cravada no meu coração. E não pelos grandes momentos de ruptura mas pelos mais mundanos pedaços de vida.

A vida é isto. Um conjunto de ações aparentemente insignificantes por si mesmas mas que compõem, no fim de tudo, um álbum de memórias inesquecível. Mesmo que não faça, como acontece na maioria dos casos, grande sentido no fim. “Boyhood” não é o filme da minha vida – faz parte da minha vida.

 

Pedro Quedas

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O humor no rigor, o prazer na perfeição: “The Grand Budapest Hotel”

The Grand Budapest Hotel

Classificação: 9/10

Nomeações: 9 (Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Original, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Banda Sonora, Melhor Direção Artística, Melhor Guarda-Roupa, Melhor Caracterização)

 

O novo filme de Wes Anderson é o filme mais “Wes Anderson” alguma vez realizado por Wes Anderson. “The Grand Budapest Hotel” é um fresco delicioso de cenas minuciosamente coreografadas que representa a busca de perfeição formal e artística que tem alimentado a peculiar obra do realizador norte-americano.

Inspirado na obra do escritor austríaco Stefan Zweig, o filme acompanha as bizarras desventuras do excêntrico gestor de um hotel, M. Gustave, acusado de homicídio e perseguido por uma família com ligações a uma facção política curiosamente parecida com os nazis.

Ralph Fiennes é brilhante no papel de M. Gustave, um homem de rotina, de aparência e comportamento impecável – os melhores momentos do filme são quando o verniz da sua fachada estala por breves momentos e o levemente reprimido hoteleiro deixa escapar o que verdadeiramente sente.

Mas seria uma injustiça destacar este papel sem mencionar a função fulcral de Zero Moustafa (Tony Revolori) como o não-oficial assistente de Gustave. O trabalho do jovem ator neste papel é de uma profunda subtileza, funcionando simultaneamente como companheiro de aventuras de Gustave e como representante do espetador no filme. É pelos seus olhos bem abertos que nos lançamos à descoberta deste novo e maravilhoso mundo.

A concepção visual deste rico universo é um dos maiores prazeres de “The Grand Budapest Hotel”. Através de vários efeitos especiais físicos, desde maquetes em miniatura até sequências animadas, passando pela sumptuosa direção artística e cenografia, Anderson dá vida e cor a um ambiente de luxo que já não faz sentido existir nos tempos modernos. É uma viagem ao passado carregada com doses semelhantes de nostalgia e leve gozo sarcástico.

Dentro desta tapeçaria de requintes visuais, passeia-se a habitual galeria de personagens invulgares que costumam povoar os recheados elencos dos seus filmes. Desde Jeff Goldblum a Adrien Brody, de Saoirse Ronan a Mathieu Amalric, de Harvey Keitel a Edward Norton – ou mesmo um deliciosamente violento e desprezível Willem Dafoe. Não há nada que Wes Anderson goste mais de fazer que criar mundos perfeitos e cristalinos e depois polvilhá-los com personagens que são tudo menos.

Se “Moonrise Kingdom” (ainda o meu filme favorito de Wes Anderson) foi um exemplo perfeito de como injetar emoção profunda por entre os recantos do seu delírio formal, “The Grand Budapest Hotel” é a cristalização perfeita de tudo o que faz as delícias dos seus fãs e revira os olhos dos seus críticos. É uma pedra preciosa (quase) perfeita, com arestas reluzentes desenhadas a régua e esquadro, a cada movimento precisamente coreografado da câmara e dos atores que dentro dela se movem. E depois, quando o caos do “mundo real” começa a abalar essas fundações, não conseguimos evitar o mais inesperado dos risos. É essa a magia de Wes Anderson.

 

Pedro Quedas

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A podridão por trás da máscara: “Gone Girl” / “Foxcatcher” / “Nightcrawler”

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Gone Girl

Classificação: 9/10

Nomeações: 1 (Melhor Atriz Principal)

Este pode muito bem ter sido o filme do ano. Entre a mão deliciosamente calculista de David Fincher e as palavras esquivas do argumento (adaptado do seu próprio livro) de Gyllian Flynn, “Gone Girl” é um espelho perfeito da sociedade moderna. Cada vez mais informada e com cada vez menos capacidade de saber o que fazer com essa informação. Ben Affleck e Rosamund Pike, pintam um quadro deliciosamente ambíguo da vida em casal numa era em que todos os detalhes das nossas vidas estão acessíveis às massas. É um filme sobre a diferença entre percepção e realidade, entre honestidade e artifício. Sobre a vida em sociedade no turbulento arranque do século XXI. Há um sem-número de razões “objetivas” para se gostar deste filme. É uma lição sobre como criar tensão sem nunca desarmar e “ajudar” o espetador. Ainda não parei de pensar nele desde que o vi, há largos meses atrás. Ninguém me pode convencer que isso não seja a marca de um grande filme.

 

Foxcatcher

Classificação: 7/10

Nomeações: 5 (Melhor Realizador, Melhor Ator Principal, Melhor Ator Secundário, Melhor Argumento Original, Melhor Caracterização)

Dos três filmes sobre o quais me debruço hoje, este foi de longe o mais reconhecido pela Academia e é, ironicamente, o que provavelmente menos merece. O que não quer necessariamente dizer que estejamos perante um filme mau – longe disso. Channing Tatum é competente no seu complexo papel e tanto Steve Carell como Mark Ruffalo estão brilhantes. Os elogios, aí, são mais que merecidos. Mas o filme? Esse é simplesmente demasiado parado. Dá para perceber claramente a intenção do realizador Bennett Miller – contar a trágica história da relação entre John du Pont e os irmãos Schultz com o mínimo de artifícios possível. Contá-la tal como foi e colocar o ênfase num ambiente de tensão crescente até ao brutal clímax. Mas há melhores formas de o fazer. A veracidade e o realismo nunca se podem sobrepor à dinâmica narrativa de um filme. O talento dos atores salva um filme que, de tanto querer ser atmosférico, chegou perigosamente perto de se tornar aborrecido.

 

Nightcrawler

Classificação: 9/10

Nomeações: 1 (Melhor Argumento Original)

Todos os anos temos nomeações “falhadas” pela Academia. Filmes no geral ou indivíduos em particular que sentimos que mereciam mais “respeito” pelos votantes de Hollywood. Ainda não vi todos os filmes nomeados desta fornada dos Óscares, mas não vejo como possa ser possível que Jake Gyllenhall não tenha sido nomeado. Não nos fiquemos com meias-palavras – Gyllenhall está absolutamente incrível. O modo como o ator se entrega de corpo e alma a dar vida um personagem sem vida dentro de si mesmo é nada menos que genial. Lou Bloom é um dos grandes nomes do cinema de 2014. Um espectro gélido, a varrer a sujidade da cidade nos momentos negros da noite e a empacotá-los em forma de degradante entretenimento. “Nightcrawler” é um thriller e uma sátira. Um ataque venenoso à falência moral do jornalismo moderno e, a espaços, uma história com detalhes deliciosos de comédia. É um filme duro de aguentar e impossível de resistir. Tal como Bloom.

 

Pedro Quedas

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Perfeição e obsessão: “The Imitation Game”

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Classificação: 8/10

Nomeações: 8 (Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Ator Principal, Melhor Atriz Secundária, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Montagem, Melhor Direção Artística, Melhor Banda Sonora)

Esta é a história de Alan Turing, o génio matemático que esteve na origem da criação dos computadores modernos e que, menos sabem, trabalhou como decifrador de códigos para os serviços de inteligência britânicos durante a 2ª Guerra Mundial. Mas na verdade não é. É antes um filme sobre obsessão. Sobre a necessidade de superar obstáculos e provar o nosso valor. Sobre a busca de perfeição.

Porque se é verdade que poderiam haver alguns resquícios de dever patriótico no que motivou Turing a juntar-se aos esforços militares de contrainteligência, o que o motivava verdadeiramente era o desafio. Para o matemático britânico, a principal motivação era provar a sua inteligência, superar o obstáculo, resolver o puzzle apresentado pela misteriosa máquina “Enigma”, dos nazis.

A grande vitória deste filme é ter conseguido criar uma obra dinâmica e entusiasmante em volta de um tema tão “parado” quanto uma sala cheia de peritos a tentar decifrar códigos. No centro deste esforço para dar vida e cor humana à ciência que sustenta a narrativa está Benedict Cumberbatch – perfeito no papel de um homem sempre à beira de sucumbir perante a tarefa de equilibrar o pulsar constante da sua mente genial com a sua incapacidade crónica de socialização e, mais ainda, a sua mal-escondida homossexualidade, que lhe veio a trazer consequências nefastas na retrógrada sociedade britânica do início do século XX. É uma performance que caminha na linha entre a subtileza e a explosão, executada com uma classe que acabou por ser, justamente, premiada com uma nomeação ao Óscar.

Os pecados deste filme não são muitos, apenas o suficiente para o impedir de entrar no panteão dos “Grandes Filmes”. Para começar, a interpretação de Keira Knightley como Joan Clarke, uma colega matemática de Turing que desenvolveu uma amizade com o peculiar cientista e até chegou a estar noiva dele – mesmo sabendo da sua homossexualidade. Não há nada de especialmente condenável na performance de Knightley, mas falta-lhe a presença que a personagem pedia. Aquilo que era suposto ser uma voz de ruptura contra o machismo da sociedade inglesa na altura, acaba por soar muitas vezes a não mais que a petulância de uma criança birrenta. A personagem merecia mais.

O filme também tem sido criticado por ter alterado muitos dos factos sobre a vida de Turing para servir os interesses da narrativa, mas essa crítica nunca será especialmente relevante para mim. É uma crítica que deve ser reservada a documentários, nunca a obras de ficção – mesmo as que são inspiradas em acontecimentos reais. Um filme só tem obrigação de ser um filme – nada mais, nada menos. O que faltou verdadeiramente a “The Imitation Game” foi um pouco mais de rasgo, de intensidade dramática. De vontade de quebrar as regras impostas pelos clichés do biopic. Resta-nos um filme “apenas” bastante bom… que tinha tudo para ser tão genial como o homem que o inspirou.

Pedro Quedas

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Os sonhos do homem-pássaro: “Birdman”

Birdman

Classificação: 9/10

Nomeações: 9 (Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Ator Principal, Melhor Ator Secundário, Melhor Atriz Secundária, Melhor Argumento Original, Melhor Fotografia, Melhor Mistura de Som, Melhor Montagem de Som)

 

Olho para nota que dei a este filme e confesso que o ato de dar classificações a filmes nunca me pareceu tão arbitrário. Uma nota de 0 a 10 presume a criação de parâmetros de avaliação, de “regras” para se conseguir articular de forma numérica a apreciação de uma obra de arte. É um feito sempre complicado, mas ainda mais quando estamos a lidar com um filme tão singular quanto “Birdman”.

Realizado por Alexandro González Iñarritu e filmado pelo mágico olhar de Emmanuel Lubezki, o filme é concebido como se de um longo plano-sequência se tratasse – um truque assumido, entenda-se, dado que a história se passa ao longo de vários dias e a duração do filme fica-se pelas duas horas. Duas horas dinâmicas e excitantes, que acompanham a atribulada vida de Riggan Thomson.

Riggan, interpretado por Michael Keaton, é um ator a tentar recuperar a sua credibilidade artística depois de ver a sua carreira ficar definida exclusivamente por um punhado de filmes de super-heróis que fez quando era mais jovem. Parece familiar? Mas não só de piadas meta-textuais vive este filme. O que Keaton faz neste filme é algo muito mais intenso, visceral. Riggan é um homem caído em desgraça com uma infindável reserva de esperança para si mesmo, ansioso por deixar uma marca no mundo mas assombrado por alucinações (serão mesmo alucinações?) que o tentam convencer a desistir. Tal como todo o filme, é um homem que esconde grandes verdades por trás da mentira da performance teatral e das rugas da ressaca matinal.

A interpretação estelar de Keaton é rodeada por um elenco que impressiona de um modo geral, mas as vozes de Edward Norton e Emma Stone destacam-se no meio do frenesim. O descontrolado ator do método construído por Norton rouba muitas das cenas em que entra e Emma Stone é uma revelação como a filha ex-toxicodependente de Riggan. Talvez a tarefa mais complicada para um ator, eternamente um veículo de máscaras e falsidades, seja transmitir sinceridade. Norton e Stone fazem-no como os melhores – como se fosse fácil.

Uma nota para a genial banda sonora de Antonio Sánchez, composta quase integralmente por ritmos de percussão que vão pontuando a ação e empurrando os seus desamparados protagonistas para um caos inevitável. É um pedaço de simplicidade virtuosa que merecia pelo menos uma nomeação para o Óscar e muitos ficaram chocados quando ficou fora dessas considerações. Para os que ficaram mais irados, é importante apontar que há uma razão para isto. É que o filme também conta com vários momentos de música clássica que, quando somados e comparados com as baterias de Sánchez, excederam a percentagem permitida pela Academia e impediram que esta pudesse ser considerada uma banda sonora “original”. Uma pena.

“Birdman” é um prodígio técnico. “Birdman” é uma montra de algum do melhor trabalho que qualquer ator ou atriz apresentou no ano passado. “Birdman” é uma viagem frenética que nos faz levantar questões desconcertantes sobre a nossa própria perceção da realidade. E querem saber uma coisa? Essa nem é a razão por que lhe dei esta nota. Quando saí da sala de cinema, tinha um sorriso estampado na cara. Esta nota – e todo este texto – não foi mais que uma tentativa de explicar esse sorriso.

 

Pedro Quedas

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“Birdman”, “The Grand Budapest Hotel” e “Boyhood” na linha da frente da corrida aos Óscares

Nomeações 2015

Já sabemos os nomeados deste ano. “Birdman”, de Alejandro G. Iñarritu, e “The Grand Budapest Hotel”, de Wes Anderson, lideram a corrida com nove nomeações cada. Ainda assim, apesar de ter “apenas” seis nomeações, “Boyhood”, de Richard Linklater, é considerado um dos principais favoritos a ganhar a estatueta que todos mais cobiçam.

Entre as maiores surpresas contam-se Bradley Cooper, por “American Sniper” (a sua terceira nomeação consecutiva para Melhor Actor Principal), e a muito inesperada exclusão de “The LEGO Movie” dos nomeados para Melhor Filme de Animação.

Segue a lista completa dos nomeados:

 

Melhor Filme

“American Sniper”

“Birdman”

“Boyhood”

“The Grand Budapest Hotel”

“The Imitation Game”

“Selma”

“The Theory of Everything”

“Whiplash”

Melhor Realizador

Alejandro G. Iñarritu, “Birdman”

Richard Linklater, “Boyhood”

Bennett Miller, “Foxcatcher”

Wes Anderson, “The Grand Budapest Hotel”

Morten Tyldum, “The Imitation Game”

Melhor Ator Principal

Steve Carell, “Foxcatcher”

Bradley Cooper, “American Sniper”

Benedict Cumberbatch, “The Imitation Game”

Michael Keaton, “Birdman”

Eddie Redmayne, “The Theory of Everything”

Melhor Atriz Principal

Marion Cotillard, “Two Days, One Night”

Felicity Jones, “The Theory of Everything”

Julianne Moore, “Still Alice”

Rosamund Pike, “Gone Girl”

Reese Witherspoon, “Wild”

Melhor Ator Secundário

Robert Duvall, “The Judge”

Ethan Hawke, “Boyhood”

Edward Norton, “Birdman”

Mark Ruffalo, “Foxcatcher”

J. K. Simmons, “Whiplash”

Melhor Atriz Secundária

Patricia Arquette, “Boyhood”

Laura Dern, “Wild”

Keira Knightley, “The Imitation Game”

Emma Stone, “Birdman”

Meryl Streep, “Into the Woods”

Melhor Argumento Adaptado

“American Sniper”, Jason Hall

“The Imitation Game”, Graham Moore

“Inherent Vice”, Paul Thomas Anderson

“The Theory of Everything”, Anthony McCarten

“Whiplash”, Damien Chazelle

Melhor Argumento Original

“Birdman”, Armando Bo, Alexander Dinelaris, Nicolás Giacobone e Alexandro G. Iñarritu

“Boyhood”, Richard Linklater

“Foxcatcher”, E. Max Frye e Dan Futterman

“The Grand Budapest Hotel”, Wes Anderson e Hugo Guinness

“Nightcrawler”, Dan Gilroy

Melhor Fotografia

“Birdman”, Emmanuel Lubezki

“The Grand Budapest Hotel”, Robert D. Yeoman

“Ida”, Ryszard Lenczewski e Lukasz Zal

“Mr. Turner”, Dick Pope

“Unbroken”, Roger Deakins

Melhor Montagem

“American Sniper”, Joel Cox e Gary Roach

“Boyhood”, Sandra Adair

“The Grand Budapest Hotel”, Barney Pilling

“The Imitation Game”, William Goldenberg

“Whiplash”, Tom Cross

Melhor Filme de Animação

“Big Hero 6”, Don Hall e Chris Williams

“The Boxtrolls”, Graham Annable e Anthony Stacchi

“How to Train Your Dragon 2”, Dean DeBlois

“Song of the Sea”, Tomm Moore

“The Tale of the Princess Kaguya”, Isao Takahata

Melhor Filme Estrangeiro

“Ida”, Polónia

“Leviathan”, Rússia

“Tangerines”, Estónia

“Timbuktu”, Mauritania

“Wild Tales”, Argentina

Melhor Banda Sonora Original

“The Grand Budapest Hotel”, Alexandre Desplat

“The Imitation Game”, Alexandre Desplat

“Interstellar”, Hans Zimmer

“Mr. Turner”, Gary Yershon

“The Theory of Everything”, Johann Johannsson

Melhor Música Original

“Lost Stars” de “Begin Again”

“Grateful” de “Beyond the Lights”

“I’m Not Gonna Miss You” de “Glen Campbell… I’ll Be Me”

“Everything Is Awesome” de “The LEGO Movie”

“Glory” de “Selma”

Melhor Direção Artística

“The Grand Budapest Hotel”

“The Imitation Game”

“Interstellar”

“Into The Woods”

“Mr. Turner”

Melhor Guarda-Roupa

“The Grand Budapest Hotel”

“Inherent Vice”

“Into The Woods”

“Maleficent”

“Mr. Turner”

Melhor Caracterização

“Foxcatcher”

“The Grand Budapest Hotel”

“Guardians of the Galaxy”

Melhor Documentário

“Citizenfour”

“Finding Vivian Mayer”

“Last Days in Vietnam”

“The Salt of the Earth”

“Virunga”

Melhor Documentário, Curta-Metragem

“Crisis Hotline: Veterans Press 1”

“Joanna”

“Our Curse”

“The Reaper (La Parka)”

“White Earth”

Melhor Curta-Metragem, Animação

“The Bigger Picture”

“The Dam Keeper”

“Feast”

“Me and My Moulton”

“A Single Life”

Melhor Curta-Metragem, Live Action

“Aya”

“Boogaloo and Graham”

“Butter Lamp (La Lampe au Beurre de Yak)”

“Parvaneh”

“The Phone Call”

Melhor Montagem de Som

“American Sniper”

“Birdman”

“The Hobbit: The Battle of the Five Armies”

“Interstellar”

“Unbroken”

Melhor Mistura de Som

“American Sniper”

“Birdman”

“Interstellar”

“Unbroken”

“Whiplash”

Melhores Efeitos Visuais

“Captain America: The Winter Soldier”

“Dawn of the Planet of the Apes”

“Guardians of the Galaxy”

“Interstellar”

“X-Men: Days of Future Past”

Pedro Quedas

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